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SÍNDROME DE BURNOUT AFETA 30% DOS TRABALHADORES BRASILEIROS


Certo dia, o despertador tocou para eu acordar e ir trabalhar, mas meu corpo não respondia”, contou a administradora e empresária Helloá Castro, de 30 anos. Ela teve uma paralisia e um ataque de pânico. Assim como ela, cerca de 30% dos trabalhadores brasileiros sofrem com a Síndrome de Burnout, apontam os dados da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANMT) e da International Stress Management Association (ISMA), o que representa um grande número de pessoas em estado de esgotamento físico e mental devido ao excesso de trabalho, uma realidade comum para muitos profissionais que atuam diariamente sob pressão, como médicos, enfermeiros, professores, policiais, entre outros.

Helloá começou com sinais sutis, como fortes dores de cabeça e azia constante, que mais tarde evoluíram para sintomas mais graves, como insônia, ansiedade e dores no peito. A mudança de emprego em 2015, buscando uma oportunidade mais promissora, acabou levando-a a um ambiente de trabalho excessivamente rígido e competitivo, onde desenvolveu a síndrome.

A experiência assustadora a levou a procurar ajuda médica, onde foi diagnosticada com burnout. “Foi horrível, mas por causa dessa experiência, ouvi os conselhos da minha mãe (que há tempos percebia mudança no meu comportamento) e procurei um médico”, afirmou ela. “O diagnóstico trouxe um misto de alívio e medo. Alívio por finalmente entender a origem de meus sintomas, mas medo devido à falta de informação sobre a síndrome”, enfatizou.

O tratamento de Helloá incluiu psicoterapia, acupuntura, exames neurológicos e mudanças significativas na rotina. Ela aprendeu a priorizar a saúde mental e física, adotando uma alimentação saudável, prática regular de exercícios físicos e meditação diária. “Minha rotina passou a ser muito mais preventiva. Hoje, sei que não preciso esperar adoecer para me cuidar”, disse Helloá.

A transformação em sua vida a motivou a ajudar outras pessoas. Helloá criou a página Vencendo o Burnout, especializada em bem-estar no trabalho, e se dedica a palestras e consultorias sobre o tema para inspirar muitas outras pessoas a buscarem uma vida mais saudável e equilibrada.

“Tive muito medo. Eu não conhecia a síndrome, achava que aquele diagnóstico significava que eu nunca mais conseguiria trabalhar bem e sem sofrimento. A falta de informação me trouxe muitas dúvidas e apreensão. Não sabia o que esperar do tratamento. Hoje, sou muito grata pela vida que construí e pelo desejo de viver que tenho! É possível, sim, equilibrar vida pessoal e profissional. É possível vencer o burnout!”, destacou ela.

A psicóloga clínica Flávia Costa explica que o burnout pode afetar profissionais em qualquer tipo de profissão: “O burnout está diretamente ligado à forma como a pessoa maneja seu estresse e percebe sua relação com o trabalho. No entanto, já sabemos que ambientes profissionais com uma cultura organizacional ruim, presença de assédios morais, sexuais, cobranças excessivas sem recursos para o trabalhador respondê-las, jornadas de trabalho de longas horas sem pausas, excessos de horas extras e profissões com plantões e atividades noturnas frequentes, podem desencadear o quadro em algum momento”, afirma.

De acordo com o Ministério da Saúde, os principais sintomas de burnout incluem cansaço frequente e excessivo, dores de cabeça, insônia, sentimento de fracasso, insegurança e alterações no apetite.

“Eu já estava no limite. Apesar de gostar da minha profissão, eu já não tinha mais energia para trabalhar. Tudo era muita coisa. Eu passava horas olhando para o computador e, na minha cabeça, eu realmente queria fazer minhas atividades, mas o meu corpo não respondia”, revela a comunicóloga Joice Cristina, de 27 anos. Eram os primeiros sinais de que algo estava errado e que a luta não era apenas contra a exaustão física, mas também contra a falta de concentração, dores musculares, mudanças de humor, irritabilidade e um sentimento constante de fracasso.

Mesmo com a ajuda da terapia, Joice sentia-se desesperada. “Lembro que o ‘melhor’ dia da semana, para mim, era a sexta-feira e o ‘pior’ o domingo. Era desesperador. Eu chorava de soluçar só de pensar na rotina e de mais uma semana começando”, relata.

Em 2021, durante a pandemia, ela enfrentava múltiplas demandas, prazos curtos e trabalhava com uma equipe reduzida. Após meses de acompanhamento, ela foi diagnosticada com Síndrome de Burnout e se afastou do trabalho por recomendação médica. “Na época, lembro de não querer me afastar do trabalho, por medo, principalmente do estigma em relação à saúde mental. Foi um processo difícil para aceitar tudo o que estava acontecendo e que, sim, eu estava esgotada”, afirma Joice.

O afastamento do trabalho permitiu a Joice redescobrir uma paixão antiga: a escrita. “Eu já não sabia mais o que eu gostava de fazer e qual era minha versão além do trabalho. Foi um período de redescobertas. A criação da ‘Querida Sanidade’, uma página para compartilhar a jornada em busca de saúde mental, foi um passo importante em sua recuperação”.

A experiência de Joice também trouxe mudanças na vida profissional. “Optei por trabalhar de forma autônoma, o que reconheço que foi um privilégio, e estipulei os meus horários. Isso também teve um preço, mas coloquei a minha saúde em primeiro lugar. Após a Síndrome de Burnout, compreendi que o trabalho é apenas uma parte de quem somos. Ter essa clareza me ajudou a observar a vida por outro ângulo”, pontua.

A psicóloga clínica Flávia Costa explica que o burnout, diferentemente do estresse comum do dia a dia, “não é uma condição médica (doença), mas um fenômeno ligado ao trabalho”. Ela esclarece que o estresse é uma resposta do corpo às circunstâncias cotidianas, como adversidades e mudanças repentinas, onde a mente interpreta esses fatores como estressores e envia mensagens para o corpo responder. Esse estresse pode ser causado por estímulos externos, como uma mudança na agenda ou ficar muito tempo sem comer, ou internos, como pensamentos e emoções, e pode ser um indício de uma doença ou apenas uma reação pontual a condições externas, negativas ou positivas.

Costa destaca três elementos principais que caracterizam o burnout: a exaustão, que é a sensação de ir além dos limites físicos ou emocionais sem conseguir se recuperar, mesmo com férias ou licenças de saúde; o ceticismo, uma reação negativa constante que leva à falta de interesse no trabalho e à insensibilidade, que pode ser agressiva com amigos e familiares; e a ineficácia, onde a pessoa sente-se incompetente, desqualificada e pouco reconhecida.

Além disso, a presença desses elementos pode levar ao “absenteísmo”, quando a pessoa começa a faltar frequentemente ao trabalho, ou ao “presenteísmo”, que ocorre quando o indivíduo vai ao trabalho, mas está mentalmente ausente. Outro aspecto importante é o perfil do trabalhador workaholic, que busca o trabalho incessantemente como forma de validação pessoal ou fuga de outras áreas da vida. Mesmo que esse trabalhador goste do trabalho, a falta de equilíbrio entre a vida profissional e pessoal e um ambiente de trabalho estressante podem levar ao burnout.

Ela ainda destaca a complexidade do desenvolvimento do burnout, enfatizando a influência de diversos fatores pessoais, organizacionais, profissionais e sociais. De acordo com Costa, cada indivíduo possui um limiar próprio de resistência ao estresse, que é moldado por traços de personalidade, experiências de vida, habilidades de resolução de conflitos e condições de saúde mental. Ela esclarece que trabalhadores com diagnósticos de transtornos mentais como ansiedade, personalidade e humor devem estar particularmente atentos ao autocuidado mental e físico, pois apresentam maior vulnerabilidade ao estresse. No entanto, com psicoterapia e, se necessário, medicação, é possível evitar o agravamento do quadro.

Costa identifica que indivíduos com características de personalidade como rigidez, competitividade, impulsividade, senso de urgência elevado e autocrítica também são propensos ao burnout. Ela ressalta que o trabalho, independentemente do setor profissional, é uma atividade que envolve esforço significativo para alcançar objetivos. Por exemplo, estudantes que se dedicam intensamente aos estudos, negligenciando descanso e lazer, também estão suscetíveis ao esgotamento. “Crescem os relatos de estudantes de ensino médio, universidades e que se preparam para concursos públicos, com sintomas da síndrome, por estudarem horas sem intervalos e negligenciarem momentos de lazer, descanso, cuidado físico e mental”, alerta a psicóloga.

Os fatores de risco para o desenvolvimento do burnout são multifacetados. Entre as características pessoais que podem contribuir para a síndrome estão traços de personalidade como rigidez, competitividade, impulsividade, autocrítica exagerada e pessimismo. Indivíduos com transtornos de ansiedade, humor e personalidade, baixa tolerância a mudanças e estratégias evitativas de manejo do estresse são mais vulneráveis. No âmbito organizacional, ambientes físicos precários, falta de recursos, mudanças repentinas, normas institucionais conflitantes com os valores pessoais e um clima de insegurança são elementos críticos. No que tange ao trabalho, aspectos como sobrecarga, conflitos de papel, falta de suporte e reconhecimento, pressão e ausência de feedback são fatores de risco.

“Nós somos pessoas, não somos só números”

O editor audiovisual Henrique Oliveira, de 43 anos, atua como autônomo, mas sofreu durante anos situações de assédio na empresa onde trabalhava, o que afetou profundamente sua saúde mental. “Os principais sinais de alerta que eu tive, que percebi antes de reconhecer o burnout, foram que eu comecei a não conseguir fazer tarefas normais no trabalho. Eu sempre cometia erros bobos, tinha que repetir as tarefas e isso estava me fazendo muito mal”, contou. No entanto, Henrique não sabia que estava sofrendo de burnout, pensando apenas que precisava de férias. O diagnóstico veio de uma psicóloga e dois psiquiatras após ele atingir um ponto de exaustão total.

Quando percebeu que estava realmente sofrendo de burnout, afastou-se do trabalho e iniciou um tratamento intenso. A terapia e o suporte psicológico foram cruciais para sua recuperação, ajudando-o a reconhecer que estava em um ritmo insustentável de trabalho. “Parecia, em algum momento, que eu não teria mais vida”, relembra Henrique.

Mesmo após mudar de setor, ele percebeu que precisava sair completamente do ambiente empresarial para se recuperar. “Nós somos pessoas, nós não somos só números, nós precisamos de cuidado e suporte”, alerta. Trabalhar como autônomo permitiu a Henrique encontrar um equilíbrio, livre das pressões que enfrentava no emprego anterior.

Para ele, uma das sequelas do burnout é a incapacidade de trabalhar em ambientes corporativos tradicionais, pois esses espaços desencadeiam gatilhos e pioram seu estado mental. “Hoje, trabalhando como autônomo, está muito melhor, porque estou equilibrado e não mais sofrendo aquelas cobranças e responsabilidades que, infelizmente, o mercado de trabalho impõe a nós”, afirma.

Diagnóstico, alerta e tratamento
A psicóloga clínica Flávia Costa esclarece que “a sintomatologia física do burnout costuma ser o ponto de atenção que leva as pessoas a buscarem tratamento ou procurarem atendimento emergencial”, pontua.

O diagnóstico de burnout deve ser realizado por um psicólogo ou psiquiatra, de preferência especialista na área, para que se possa desenvolver um tratamento multidisciplinar. Esse tratamento é focado na mudança de estilo de vida e na criação de uma nova relação com o trabalho, promovendo o autoconhecimento, novas estratégias de manejo do estresse e a identificação dos propósitos profissionais e de carreira.

A base para o tratamento do burnout é a mudança no estilo de vida, pois isso interfere diretamente na redução do estresse e da ansiedade. Hábitos essenciais a serem incorporados na rotina, dentro das possibilidades de cada um, incluem:

•Realizar higiene do sono regularmente, e dormir entre 7-9 horas de sono.
•Redução do uso de telas.
•Atividade física de alta intensidade (cardio) – tem sido relacionado à ativação de opioides endógenos, contribuindo para maior alívio do estresse.
•Atividade física, pelo menos, 3x na semana, durante 30 minutos – A contração rítmica da musculatura, que é gerada em qualquer tipo de exercício, aumenta os níveis de serotonina, neurotransmissor que influencia direta e indiretamente células cerebrais relacionadas com o humor e ajuda a combater pensamentos negativos.
•Alimentação nutritiva – A falta de nutrientes na dieta, especialmente vitamina B12, pode afetar a produção de serotonina e dopamina no nosso organismo, levando o indivíduo a sentir ansiedade, irritabilidade, e humor deprimido. Além disso, ficar sem comer adequadamente, reduzindo drasticamente a ingestão de calorias sem, também pode gerar um processo de irritabilidade e estresse.
•Realizar pequenas pausas ao longo do expediente de trabalho.
•Atividades de lazer ao longo da semana, para que o individuo não tenha a sensação que “só vive” aos fins de semana.
•Autopercepção diária – guardar um momento do dia para pensar sobre suas ações, sentimentos e pensamentos, para tornar-se mais consciente, e não viver no “piloto automático”.
•Práticas de meditação, mindfulness e yoga tem-se mostrado eficazes na prevenção do estresse e autocuidado emocional.
•Evitar consumo de álcool e substâncias psicoativas.

Direitos do trabalhador
Segundo o advogado trabalhista Solon Tepedino, “a Síndrome de Burnout passou a ser tratada como doença profissional equiparada ao acidente de trabalho através do decreto 6.042 de 2007”, explica. Ele salienta que o procedimento para solicitar a licença médica começa com a obtenção de um laudo médico que comprove o diagnóstico. “Este laudo permite que o empregado se afaste pelos primeiros 15 dias, com remuneração paga pela empresa. Após esse período, o empregado será afastado pelo INSS, utilizando o código 91 para acidentes de trabalho”, afirma.

O advogado esclarece que “os direitos do trabalhador que está sofrendo com a doença são equiparados aos de um acidente de trabalho. Sendo assim, ele tem direito ao reconhecimento da estabilidade no trabalho por 12 meses após o retorno. Ele consegue se afastar pelo INSS, com a continuidade do pagamento do Fundo de Garantia Mensal, e pode ingressar na Justiça do Trabalho para que seja reconhecida a indenização por danos morais e até materiais, dependendo do caso, procurando um advogado e ingressando com uma reclamação trabalhista”, salienta Tepedino.

Além disso, durante o afastamento, o contrato de trabalho fica suspenso, e após o retorno, o empregado tem direito à estabilidade de um ano. Tepedino reitera: “O trabalhador comprovadamente afastado durante o tratamento da síndrome de Burnout pelo INSS não pode ser demitido. Primeiro, porque ele está afastado com o contrato suspenso. Segundo, mesmo retornando, ele tem uma estabilidade de um ano, pois a referida síndrome está caracterizada como acidente de trabalho”.Para ele, após o afastamento, as obrigações do empregador incluem acompanhar e facilitar a reintegração do funcionário ao ambiente de trabalho, garantindo condições adequadas de trabalho: “deve estar sempre atento para preservar e proporcionar ao empregado condições adequadas de trabalho”, conclui. (Fonte: O Dia)

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